Análise | Clair Obscur: Expedition 33 — Pintando com sangue, amor e turnos muito bem pensados
Sabe quando você entra num jogo achando que vai “dar uma testadinha” e de repente se pega encarando o vazio, refletindo sobre a finitude da vida e sobre como cada passo da sua existência é um traço no quadro caótico que é o mundo? Então. Clair Obscur: Expedition 33 fez isso comigo.
Fez isso com uma narrativa poética e mortal, com um sistema de combate que me deixou suando frio como se estivesse no colégio sendo chamada pra resolver uma equação na lousa, com personagens que pareciam ter saído de um museu renascentista gótico de dor e afeto… e com uma trilha sonora que me abraçou enquanto me empurrava no penhasco da angústia.
Sim. Eu amei. E vou te contar por quê.
Uma história que te pinta por dentro
O mundo de Clair Obscur é como uma galeria de arte depois de um terremoto. Bonito, mas tudo meio torto, meio quebrado. No centro desse caos está a Paintress, uma entidade eldríca que acorda uma vez por ano, pinta um número num monolito, e puf, todas as pessoas daquela idade viram fumaça e pétalas. Poético e brutal. Tipo Van Gogh com uma espingarda emocional.
Você joga como a Expedição 33, um grupo de jovens condenados que sabem que vão morrer em breve, e mesmo assim seguem marchando pra tentar parar a Paintress antes que ela apague o próximo número. Tipo uns guerreiros-suicidas existencialistas com armaduras lindas e traumas profundos.
O jogo não tem medo de falar sobre morte, legado, sacrifício e arte como resistência. Mas também tem seus momentos de leveza — os Gestrals, por exemplo, são criaturas meio manequins com pincéis na cabeça e vozes murmuradas em francês que sempre roubam a cena. Eles são o alívio cômico que você nem sabia que precisava no meio de um RPG sobre aceitação da mortalidade.
E olha, se você é artista, escritor, desenhista, poeta de chuveiro ou simplesmente alguém que já tentou criar algo mesmo com medo de falhar, essa história vai te acertar como um quadro jogado na cara com força dramática.
Combate por turnos com alma de Dark Souls e coração de FF clássico
Vou ser direta: o sistema de combate é um espetáculo. E eu não digo isso à toa. Pense em Final Fantasy X encontrando Persona 5, mas com esquivas e parries em tempo real, tipo Sekiro numa exposição de arte francesa.
Cada turno é um mini drama. Você planeja, executa, reza pra acertar o parry, acerta e grita de felicidade. Erra e sente o peso da sua falha como se tivesse deixado cair uma escultura de cristal no chão do Louvre.
Mas o que me ganhou de verdade é o equilíbrio entre preparação e improviso. É turn-based, sim. Mas não é lento. Não é só número. É presença. Você tem que estar ali, corpo e alma. Mesmo os inimigos mais simples te cobram atenção. Mesmo o grind tem tensão. E não, não é cansativo — é instigante.
E se você quiser facilitar a vida, dá. Se quiser sofrer como um mártir da arte, também dá. O jogo respeita seu estilo, sua paciência e sua vontade de testar builds malucas com Pictos e Lúminas (os acessórios místicos mais legais desde os Esper de FFVI).
Personagens que dançam entre arquétipos e feridas
O elenco é pequeno, mas cheio de alma. Tipo pintura expressionista: você sente mais do que entende.
Minha favorita? Maelle. Uma guerreira de três posturas que muda de estilo a cada ação. Eu a construí como uma deusa do contra-ataque, um quadro de fúria ambulante que explodia números na tela toda vez que apanhava. Maravilhosa, complexa, frágil e feroz. Pura Magali vibes.
Mas todos os personagens têm um “quê” de profundidade, com habilidades únicas, possibilidades de builds absurdamente criativas e — mais importante — momentos emocionais sinceros. E se você explorar bem, vai achar cenas opcionais que valem mais que muita cutscene obrigatória por aí, viu?
Exploração com charme retrô e mistério Belle Époque
Eu não sei você, mas eu sinto falta de mapamundi em RPG. E aqui, ele voltou. Com orgulho. E com um monolito sinistro de pano de fundo te lembrando constantemente: “o tempo tá passando, amiga”.
Os cenários são conectados, cheios de caminhos escondidos, itens, desafios e segredos. É tudo bem “PS2 em sua melhor forma”, mas com texturas de 2025. Tem dungeons opcionais, minigames esquisitos, puzzles, lugares que você só acha se for muito curioso, e recompensas que realmente fazem valer a pena sair do caminho principal.
E cada local… gente, cada local é uma obra de arte. Literalmente. O mundo parece pintado à mão. Às vezes trágico, às vezes sereno, mas sempre lindo. Mesmo quando você tá enfrentando um boss que parece ter saído de um pesadelo do Dali.
A trilha sonora que te abraça enquanto te desmonta
Clair Obscur tem uma das trilhas sonoras mais delicadas, grandiosas e marcantes que ouvi desde NieR: Automata. É piano sussurrando no fundo quando a tristeza chega, orquestra ensandecida nas batalhas, coros sombrios quando a Paintress aparece, e aquelas melodias com carinha de “você vai lembrar disso no banho daqui a três dias”.
O elenco de dublagem também merece palmas de pé: Jennifer English, Ben Starr, Charlie Cox e até Andy Serkis entregam atuações que parecem… bom, atuadas mesmo, não só dubladas. Tudo soa com intenção, com coração. Até os murmúrios em francês dos Gestrals são deliciosamente enigmáticos.
Ah, uma dica, deixe a dublagem no original francês mesmo, fica bem diferente do inglês e chique.
E os defeitos, Magali? Vamos ser justos.
Sim, tem. Ninguém é perfeito, nem RPGs franceses com alma de poema.
-
Os menus são confusos, especialmente na parte de Pictos. Eu me senti tentando organizar uma paleta de aquarela no escuro com luvas de boxe.
-
A interface de combate às vezes esconde mais do que mostra. Você não sabe quem tá na fila de turno, e ressuscitar alguém pode virar um mini jogo de adivinhação.
-
A mistura de áudio tem seus momentos bagunçados. A música explode e engole vozes em cenas importantes.
-
E, talvez o maior ponto: alguns personagens somem da trama lá pelo fim, o que é triste, porque eu queria mais deles. Muito mais.
Prós e Contras
Prós:
- Sistema de combate genial e viciante
- Estética arrebatadora, digna de galeria
- Trilha sonora de arrepiar
- História ousada, tocante e original
- Exploração cheia de surpresas e carinho
- Personagens marcantes com builds criativas
- Uma verdadeira ode ao RPG clássico
Contras:
- Menus e interface um pouco caóticos
- Áudio mal mixado em alguns momentos
- Personagens secundários às vezes desaparecem da trama
- Dificuldade exige atenção constante (o que pode cansar)
Nota Final: 9/10
Clair Obscur: Expedition 33 é um daqueles jogos que não só conta uma história — ele te convida a senti-la, a habitá-la. É bonito sem ser bobo, triste sem ser desesperançoso, difícil sem ser cruel. É uma carta de amor à arte, à resistência, ao RPG clássico, aos jovens que carregam o mundo nas costas mesmo sabendo que o tempo tá contra eles. Ele não só joga com mecânicas — ele joga com seu coração. E no fim das contas, quando a Paintress pinta o número final, o que sobra não é só a memória da jornada. É a certeza de que a arte — e os RPGs com alma — ainda têm muito a dizer. Porque mesmo com seus tropeços, Clair Obscur é um milagre em forma de jogo. E se você amar RPGs, vai encontrá-lo como um espelho — bonito, dolorido, e impossível de esquecer.
The post Análise | Clair Obscur: Expedition 33 — Pintando com sangue, amor e turnos muito bem pensados first appeared on GameHall.