Criptocriminalidade brasileira segue tendência internacional: alta profissionalização e baixa sofisticação

O artigo da Chainalysis “Organized Crime Shows High Level of Professionalization, Low Level of Crypto Sophistication” demonstra que grupos criminosos internacionais tradicionais — desde cartéis de droga mexicanos, fornecedores chineses de precursores de fentanil, redes de tráfico humano e de fauna silvestre, piratas de IPTV e quadrilhas que recorrem à violência física para extorsão — se profissionalizaram e migraram suas operações para os ativos virtuais em busca de liquidez transfronteiriça, custos reduzidos e aparente anonimato.
Contudo, em face da ausência de know‑how técnico aprofundado, os criminosos continuam a alicerçar seus fluxos em exchanges centralizadas, mesas OTC pouco estruturadas e P2Ps relativamente rudimentares, o que expõe suas transações financeiras ao ponto de poderem ser investigadas on‑chain, o que, por sua vez, permite a realização de um mapeamento quase em tempo real, tanto do braço logístico quanto das engrenagens de lavagem de capitais que sustentam essas operações criminosas.
Essa lógica se repete, em escala doméstica, nos múltiplos esquemas de pirâmide financeira que se valem — ou simulam valer‑se — de ativos virtuais que se alastraram no Brasil nos últimos anos.
Embora a quantidade dessas empreitadas criminosas tenha diminuído recentemente — em parte porque seus operadores migraram para outras modalidades, como, por exemplo, plataformas de apostas esportivas, jogos play‑to‑earn, supostos bots de arbitragem cambial, esquemas de pump and dump e meme coins— e em parte porque a adoção generalizada de ativos virtuais elevou o nível médio de literacia financeira dos indivíduos — a conclusão anterior permanece: a dependência de instituições centralizadas para realizar de entrada e saída de capital, associada a fluxos peer‑to‑peer ainda pouco sofisticados, mantém esses esquemas à vista em um livro‑razão público, gerando um histórico transacional que as ferramentas de análise on‑chain conseguem reconstituir com elevado grau de precisão.
Isso acontece porque, nas blockchains públicas que hospedam os ativos virtuais mais utilizados nesses esquemas — em especial Bitcoin e USDT —, cada endereço opera como identificador patrimonial único e imutável, cujo histórico pode ser auditado a qualquer tempo por qualquer pessoa. Diversamente do sistema bancário tradicional — em que a rastreabilidade de recursos pressupõe ordem judicial específica, a decretação de quebra de sigilo, a expedição sucessiva de requisições judiciais a cada instituição custodiante e, em certos casos, colaboração internacional —, o percurso completo das transferências em blockchains públicas já se encontra gravado, de forma nativa, em um único livro‑razão distribuído, publicamente acessível.
Esse panorama conduz, inevitavelmente, à conclusão de que a transparência nativa das blockchains públicas demonstra que os ativos virtuais não constituem um ambiente vocacionado para a criminalidade, mas sim uma tecnologia neutra cuja arquitetura torna os desvios mais rastreáveis do que no sistema financeiro tradicional.
Se criminosos passaram a utilizá‑los, foi sobretudo pela velocidade e pela falsa presunção de anonimato — presunção essa que, como evidencia o relatório da Chainalysis, se desfaz diante de técnicas de análise e periciamento on‑chain relativamente elementares para profissionais especializados. Em outras palavras, não é a natureza dos ativos virtuais que favorece a ilicitude, mas a lacuna de governança e de alfabetização informacional e financeira que ainda persiste entre usuários, reguladores e prestadores de serviços.
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