Análise | Mortisomem: um típico terror do interior brasileiro
Se tem uma coisa que me dá gosto de ver é jogo BR metendo o pé na porta do gênero de terror.
Num mundo onde o mercado é entupido de cópia de cópia de jogo americano com jump scare genérico e monstro com cara de animador 3D estagiário, ver uma galera aqui do nosso chão botando a cara no sol com ideias bizarras, folclóricas e com sotaque é coisa pra deixar até o capeta batendo palma.
A gente já viu jogo nacional bom de porrada, bom de plataforma, bom de metroidvania… mas o terror caipira místico e sujo ainda é um campo pouco explorado. Aí chega Mortisomem e faz o quê? Me bota um americano perdido no Mato Grosso pós-Guerra do Paraguai, com moda de viola tocando ao fundo num boteco do século retrasado, e eu já sabia: vai dar ruim e eu vou adorar cada segundo.
BUTECO DO APOCALIPSE: QUANDO O JOGO COMEÇA COM MODA DE VIOLA, É SINAL DE QUE A DESGRAÇA VEM
Logo de cara, Mortisomem te joga no meio de uma cena digna de literatura de cordel cyberpunk: você é Donald Barnes, um yankee empreendedor, que meteu o pé pra América do Sul em busca de oportunidade depois da Guerra do Paraguai. Só que, em vez de encontrar açúcar, café e talvez um pouco de ouro, o que ele achou foi medo, trevas e um monstro com nome que parece apelido de lenda contada às 3 da manhã na beira da fogueira.
Você tá sentado num boteco de chão batido, o som da viola comendo no fundo, os velhos olhando torto, e uma aura de “essa noite tem algo errado” pairando no ar. A imersão é tanta que dá vontade de servir uma cachaça pro PS5.
GRÁFICO PS1? SIM. E FICOU UM CHARME DESGRAÇADO.
Mortisomem abraça a estética de PlayStation 1 com mais amor do que muito remake com ray tracing que custa 350 reais e entrega o mesmo jogo de 2007 com textura de cabelo.
Aqui, os polígonos são sinceros. A iluminação é suada. A paleta de cores é tão abafada que parece que o jogo foi gravado dentro de uma estufa de capim. E tudo isso cria um clima tão único que tu jura que sente o cheiro do mato molhado e da ferrugem da espingarda.
É feio? É.
Mas é o feio estiloso, tipo aquele fusca com farol torto que dá pau em Camaro no racha do bairro.
MORTISOMEM – A LENDA VELHA QUE CONTINUA ASSUSTANDO ATÉ HOJE
O bicho que dá nome ao jogo é o Mortisomem, uma espécie de lobisomem encapetado, nascido de uma história de ódio, traição e morte. Não tem mutação de vírus nem laboratório do mal. Aqui é tradição oral, lenda passada de boca em boca, e isso dá um peso que a maioria dos monstros de Hollywood nunca teve.
Quem cresceu ouvindo história de mula sem cabeça, lobisomem no pasto e homem que vira porco na lua cheia vai se identificar.
Mortisomem é a fusão do sobrenatural com o regionalismo, e esse é o trunfo do jogo: te faz acreditar que o bicho pode estar no mato ali atrás de casa.
JOGABILIDADE: CORRE, PULA, FOGE, MORRE
Na jogabilidade, o jogo acerta… e tropeça um pouco também.
-
Andar e interagir funciona bem, apesar de meio truncado.
-
Inventário lembra o de Resident Evil clássico, mas sem a ergonomia — um caos organizado.
-
Puzzles variam entre o “olha que ideia boa” e o “vou procurar no YouTube porque não aguento mais esse portão maldito”.
-
Combate? Tem, mas o melhor é correr. Lutar com o Mortisomem é igual tentar socar vento depois de tomar duas canjibrinas.
Mas o que ele perde em polimento, ganha em atmosfera, ritmo e identidade. Cada passo é pesado, cada ruído no mato arrepia. Você vive o medo, mesmo com as falhas.
TRILHA, VOZES E UM CLIMA QUE IMITA O BRASIL PROFUNDO
O jogo acerta em cheio ao usar sons do Brasil. A trilha é cheia de cordas, batuques, grilos, corujas e aquele barulho de folha seca que faz a espinha gelar. Os NPCs falam (quer dizer, com legendas) com sotaque, o que é um deleite, e a ambientação é rica em detalhes do interior do país.
É como se Alan Wake tivesse largado o café do Alasca e viesse tomar chimarrão com medo no cerrado.
UMA HISTÓRIA SIMPLES, MAS BEM CONTADA
A história vai se revelando aos poucos, com cartas, conversas e visões. Nada é jogado na sua cara. Você descobre, investiga, monta o quebra-cabeça.
E quando entende a origem do Mortisomem? É tapa na cara e frio na espinha.
Mais uma vez: é o tipo de narrativa que só funciona porque é nossa. Porque é folclore com suor.
Prós e Contras
Prós:
- Ambientação BR de respeito: Mato Grosso em 1917 com moda de viola e boteco raiz? Mais Brasil que isso só se o Mortisomem usasse chinelo Rider.
- Estética PS1 que FUNCIONA: Feio com propósito. É o feio bonito. O feio charmoso. Tipo o charme de um Opala 77 todo ferrado, mas que ronca bonito.
- Folclore BR tratado com seriedade: Não é caricato, não é piada. É tenso, é sombrio, é respeitoso. É folclore com medo real.
- Narrativa que segura: História vai se revelando aos poucos, sem subestimar sua inteligência. Nada mastigado.
- Trilha e sons regionais: Viola, barulho de mato, gente falando com sotaque. Não é genérico, é imersivo.
- Jogo feito no Brasil com alma: Tá ali, o DNA BR em cada detalhe. Do design do chão batido à fala do tiozinho no boteco.
Contras:
- Controles meio travados: Se o Mortisomem te pegar, metade da culpa é sua… a outra metade é do botão que não respondeu a tempo.
- Sistema de inventário capenga: Parece planilha de Excel feita no Paint.
- Puzzles mal explicados: Tem uns que brilham, outros que tu resolve por sorte ou por raiva.
- Falta de polimento geral: Algumas animações parecem que o personagem tá com dor nas costas.
- Curto e com replay limitado: Se você for bom, zera numa tarde. Se for eu, morre três vezes e fecha só na semana seguinte.
Nota Final: 7/10
Se você quer gráfico de última geração, IA que lê sua mente e dublagem de Hollywood, talvez Mortisomem não seja pra você. Mas se você quer um jogo com alma, feito com suor, criatividade e um pé na terra vermelha do Brasil profundo, aí sim, esse aqui vai te pegar — talvez até literalmente.
The post Análise | Mortisomem: um típico terror do interior brasileiro first appeared on GameHall.