Argentina quer atrair Big Techs com Data Centers para IA movidos a energia nuclear
A Argentina está apostando alto para se posicionar como uma protagonista no cenário tecnológico global.
O presidente Javier Milei lançou um plano ambicioso que prevê o uso de energia nuclear para abastecer centros de dados dedicados à inteligência artificial. A peça-chave dessa estratégia é a construção do ACR-300: um reator modular compacto projetado para ser transportável e montado no local.
E o país almeja não só o uso doméstico da tecnologia, como também comercializar participações do projeto com gigantes do setor de tecnologia, como Amazon, Google, Microsoft e Oracle — embora nenhuma tenha confirmado investimento até o momento.
A promessa do ACR-300: compacto, limpo e escalável
O ACR-300 foi desenvolvido pela Invap, empresa estatal argentina, e recebeu patente nos Estados Unidos em 2024.
Segundo Demian Reidel, conselheiro-chefe de Milei e líder do novo Conselho Nuclear argentino, quatro unidades estão previstas na fase inicial, todas com financiamento privado. Portanto, a Argentina não aportará recursos públicos, mas manterá uma participação no projeto.

A IA vai multiplicar a demanda energética. Só (a energia) nuclear oferece uma fonte limpa, estável e com capacidade de escalar na medida certa. Esta é minha criação. Minha ideia. E temos todos os astros alinhados para que funcione
Demian Reidel, conselheiro presidencial e líder da estratégia nuclear
Patagônia e a “Cidade Nuclear”: uma utopia energética?
A segunda fase do plano prevê a extração e exportação de urânio. Já a terceira inclui a construção de uma “Cidade Nuclear” na Patagônia — uma zona livre de combustíveis fósseis dedicada exclusivamente a Data Centers abastecidos por energia atômica. Segundo Reidel, conversas com empresas estão em estágio avançado.
San Carlos de Bariloche, onde fica a sede da Invap, seria o coração do projeto. A cidade abriga também modelos de satélites, radares e reatores de pesquisa, uma vitrine da capacidade tecnológica nacional.
Cronograma sob fogo: será possível cumprir?
O governo prevê que o primeiro ACR-300 esteja operacional em cinco anos. No entanto, especialistas questionam a viabilidade desse prazo. Koroush Shirvan, professor do MIT, lembra que o desenvolvimento de um reator demanda cerca de 2 milhões de horas de engenharia. Na China, o primeiro SMR levou 11 anos entre construção e operação.

Adriana Serquis, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Atômica (CNEA), foi ainda mais direta: “O ACR-300 não tem detalhamento técnico. É mais um anúncio para animar a torcida.”
Histórico instável e resistência interna
A aposta em reatores modulares não é inédita. Em 2014, a CNEA iniciou o projeto CAREM, o primeiro SMR 100% argentino. Mas a obra foi interrompida em 2023, com 85% concluída, após cortes orçamentários do próprio governo Milei. Cerca de 470 trabalhadores foram dispensados.
A reação veio em forma de greve, liderada por técnicos e engenheiros que criticaram o fim do projeto e os salários defasados. Muitos pedem que os SMRs sejam usados prioritariamente para abastecer comunidades isoladas e fora da rede elétrica nacional.

Plano inclui reator modular de baixo custo e cidade livre de combustíveis fósseis, mas especialistas divergem sobre viabilidade do cronograma
Potencial energético e obstáculos geopolíticos
Apesar de contar com reservas significativas de gás e petróleo na formação de Vaca Muerta — formação geológica do Jurássico Superior ao Cretáceo Inferior, localizada na Bacia de Neuquén, no norte da Patagônia —, o governo argentino vê nos SMRs uma alternativa mais sustentável e alinhada às exigências do setor de IA: energia limpa, confiável e modular.
Mas há grandes desafios pela frente: em 2023, 84% da energia consumida no país ainda vinha de fontes fósseis, e apenas 2% era de origem nuclear. Além disso, a aprovação de SMRs em nível local ainda enfrenta resistência por serem tecnologias experimentais, segundo o analista Niccolò Lombatti, da consultoria britânica BMI.
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Uma aposta incerta, mas deveras ousada
Com mais de 30 Data Centers já instalados no país, a Argentina quer agora atrair infraestrutura de grande porte e alto consumo, algo ainda inexistente em seu território. Para isso, aposta na combinação de ousadia política, inovação tecnológica e parcerias internacionais.
O sucesso ou fracasso dessa estratégia dependerá não só da engenharia, mas da capacidade de articulação com investidores, órgãos reguladores e uma base científica que já demonstrou estar disposta a resistir quando necessária.
Fonte: Buenos Aires Herald