DNA brasileiro revela maior diversidade genética do mundo e pode transformar saúde pública
Um dos maiores retratos já feitos sobre o povo brasileiro não está em museus nem livros de história, mas em seus próprios genes. Um estudo publicado na Science nesta quinta-feira (15) revelou que o Brasil possui a maior diversidade genética já registrada no mundo graças a análises de DNA.
O projeto sequenciou, de forma inédita e completa, o genoma de 2,7 mil brasileiros, revelando verdadeira “colcha de retalhos” de ancestralidades que reflete cinco séculos de encontros — forçados ou não — entre indígenas, africanos, europeus e, mais recentemente, asiáticos e árabes.
A pesquisa, conduzida por cientistas de diversas instituições brasileiras, é a primeira a mapear o DNA da população em todas as regiões do País, incluindo comunidades urbanas, ribeirinhas, rurais e indígenas.

Os resultados mostram que, em média, os brasileiros possuem 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% indígena, embora essas proporções variem conforme a região.
O Norte concentra maior herança indígena, o Nordeste se destaca pela ancestralidade africana e o Sul, pela europeia. Já o Centro-Oeste e o Sudeste apresentam mistura equilibrada dos três grupos. Mas o que mais impressionou os pesquisadores foram as histórias genéticas que revelam cicatrizes profundas da colonização.
A análise mostrou que 71% dos cromossomos Y — herdados dos homens — são de origem europeia, enquanto a maioria das mitocôndrias — herdadas das mulheres — vêm de ancestrais africanas (42%) e indígenas (35%). Essa assimetria é reflexo direto da violência sexual sofrida por mulheres indígenas e escravizadas durante o período colonial.
“É o DNA confirmando aquilo que a história já contava. Uma cicatriz viva do nosso passado”, afirma Lygia da Veiga Pereira, uma das autoras do estudo.
DNA brasileiro pode revolucionar o País
- Além de contar a história brasileira , a pesquisa tem potencial para revolucionar a medicina no Brasil;
- Até hoje, estudos genéticos usados para desenvolver tratamentos se baseavam, principalmente, em dados de populações europeias e norte-americanas — reflexo que ignora completamente a realidade brasileira;
- O novo estudo identificou 8,7 milhões de variações genéticas que nunca haviam sido catalogadas. Dessas, mais de 36 mil são potencialmente prejudiciais à saúde e estão ligadas a doenças, como hipertensão, colesterol alto, obesidade, hepatite, malária, tuberculose e leishmaniose;
- “Esses dados são fundamentais para que a medicina de precisão funcione de verdade no Brasil, especialmente em comunidades negligenciadas até agora”, diz Celia Mariana Barbosa de Souza, geneticista e coautora do estudo.
Segundo os pesquisadores, algumas dessas variações podem ter surgido e se espalhado por meio de uma espécie de seleção natural.
Genes associados a maior fertilidade, imunidade mais forte e metabolismo mais eficiente foram encontrados com mais frequência do que o esperado, sugerindo vantagens adaptativas durante a miscigenação populacional.
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Sobre a pesquisa
A pesquisa faz parte do ambicioso projeto “DNA do Brasil”, que pretende sequenciar o genoma completo de 100 mil brasileiros até 2030.
A iniciativa, financiada pelos Ministérios da Saúde e da Ciência, visa integrar as descobertas genéticas à saúde pública, promovendo diagnósticos mais precisos, tratamentos mais eficazes e ações preventivas personalizadas para doenças comuns no País.
“A diversidade genética do Brasil é um ativo poderoso. Agora, temos o mapa genético que pode nos ajudar a enfrentar desigualdades históricas e garantir que todos tenham acesso a cuidados de saúde mais justos”, afirma Kelly Nunes, coordenadora do estudo.

Em um país marcado por apagamentos históricos e racismo estrutural, o sequenciamento do genoma brasileiro é também um gesto de reparação.
“Muitos brasileiros não conhecem sua origem por conta das narrativas coloniais. O que o DNA mostra é que somos muito mais indígenas e africanos do que fomos levados a acreditar”, aponta Putira Sacuena, bioantropóloga indígena e coautora da pesquisa.
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